Às vezes, muito me parece
que me preferes, mesmo morto.
Folha ausente dos teus talos
e das coisas que, então, te acontecem.
Nas noites que, obviamente,
percebes vazio na cama;
Que choras sozinha seu drama
e cantas em silêncio tuas preces…
Convenço-me, ao ver-te dormindo,
que subsistisses sozinha.
Fingistes sorrir das minhas graças,
lembrando-se ao longo dos dias.
E, do pouco que dei-me pra ti,
faz um milagre pra nós:
preparas jantar para dois.
Decantas o vinho nas taças.
Seduz-me com dança, me abraças,
Trazendo-me à vida melhor.
Perfeito, recém-renascido,
fruto maduro no outono
do teu amor imerecido.
Às vezes, muito me preferes,
mesmo que te pareça morto.
Às vezes, mais vezes me prefiro vivo.
Continue Reading
Quisera ter teu ombro hoje, a meio palmo.
Quiçá teu colo me fosse melhor pousada.
Tuas mãos aparando meu rosto
ou o abrigo de um abraço de ninho.
Meramente não dizer nada por horas.
Colar meu ouvido em teu peito
e dormir entre o arfar e o desencher.
Quem sabe, te ouvir sussurrar, aerada,
qualquer canção inédita, só minha.
Quisera ter parado o tempo, infantino,
para nunca ter crescido dali…
quando fomos centro mútuo das atenções:
você, a pátria primaz do meu mundo
e eu, para sempre, teu menino.
Dedico a todas as mães, especialmente à minha mãe Aure.
Continue Reading
Às vezes, de lados opostos, nos vemos em uma mesma estação entre tantas afinidades, com destino a sonhos distintos que passam pelo mesmo presente, misturando noites e manhãs de um passado recente em um emaranhado de pretensos encontros e infortunados acasos.
Continue Reading
A perfeição espreita os desencontros.
Nossas trágicas frustrações que,
de tão bizarras, desastradas e doridas,
servem à felicidade, insólita,
uma disforme declaração de amor alheia.
Continue Reading
Não tive qualquer escolha
Foi fato no meu destino.
A fórceps, fêz-se o despejo.
Entre dores e lampejos,
mãe, justo deu-me à luz
dos pinhais ao mundo, menino.
Alimentado a chineque,
pinhão e carne de sete,
bebi água do Iguaçu,
chorei e sorri com o Coxa,
xinguei o outro de jacu.
Fiz meu próprio rolimã,
corri muito atrás de balão.
Amei mais que podia.
Fiz amigos mais que irmãos.
Depois, novamente o destino
levou-me pra longe dali.
Mas sem perder todo o jeito,
saudoso da terra, meu chão,
eu sempre carrego no peito
um grito de gralha que vibra
com o orgulho de quem será sempre
aquele piá de Curitiba.
Continue Reading
Da lembrança latejas viva, um pulso, interminável.
Colossal tempestade elétrica em noite de céu vazio.
Repulsas, ressaca inédita deste oceano de estrelas.
Um doce-amargo maltado de impulsos que nem bebi.
Veneram-te mariposas em mil carrosséis de fótons.
E os sussurros, indultados, aliciam as intenções,
despidos de quaisquer escrúpulos, não de carinhos, mas dúbios.
Me embalo de olhos fechados, em semibreves daí
que te desenham em penumbra na minha mente, aqui…
A um braço, dois, três beijos, um abraço e, enfim,
um verso, mas nenhum destes dos quais então me desfaço…
Daqueles mudos, voláteis, húmidos, livres de mim,
que entre as bocas, sem espaço,
escorrem ao pescoço, no impasse
de encher as planícies com estrofes
até encharcar os jardins.
Continue Reading
Em cada servidão pequeninha, nas casinhas dos açores,
dorme a falta de alguém, que estando longe hoje sofre
de dor de saudade da terra, da ilha, da brisa do mar
onde banhou suas queixas, seus sonhos, seus amores…
Há os que lembram de escadas, que inventam ruas nos morros
ou da Figueira frondosa, mãe-rainha sobre a praça.
Do dominó na Felipe, delícias da vida à toa
e do Mercado amarelo, rico de dramas e graças,
do chopp, do pirão de peixe, do samba, da bossa, do choro…
Do por do sol mais perfeito em Santo Antonio de Lisboa.
Há os que vieram de perto, de longe, de além-mar
e aos poucos, manezinhos, de alma repatriada,
aprendem o gosto da vida, o dialeto, a paixão.
Descobrem-se gente feliz, que chora pra fazer piada.
Conquistados por esta terra que vieram conquistar,
copiam o sorriso do rosto de quem nasceu neste chão.
São tantas belezas daqui: o povo, a comida, a poesia,
a vista do Morro da Cruz, a Lagoa da Conceição,
o canal, o Santinho, as tarrafas, a alegria do Boi de Mamão,
a toada de cada bateira, que embala esta minha canção.
Nenhum oceano no mundo, balneou melhor maresia
que as ondas da minha Floripa. Esta ilha é o meu coração.
Fotos: acervo www.instagram/fabiobioca
Continue Reading
Preciso atormentar tua paz.
Preciso te olhar nos olhos.
Te beijar,
te abraçar.
Preciso te cheirar até não ter mais ar.
Tocar teus cabelos,
te pegar no colo.
Preciso sentir as batidas do teu peito.
O gosto do teu suor.
Preciso da tua pele,
do teu peso,
da tua respiração.
Preciso do teu sumo,
da tua ofegância,
do teu delírio,
do teu tesão.
E então, da tua paz pra me atormentar.
Continue Reading
Passo,
desvio um-dois e então, trespasso
ali um vem num, vai-se outro noutro…
Perdem pra trás o passado d’ouro,
só pela espera detêm-se um pouco.
Parecem em transe. Mudam de lado
feito um escambo doutro Mercado.
E a vida passa, buscando um espaço
até morrermos, quase atrasados.
Foto: acervo pessoal.
Mercado Público – Florianópolis-SC
Continue Reading
Parece que existem pêndulos na nossa alma que, com algum evento invisível, oscilam e balançam.
Quando o tremor é maior, essa agitação repercute no que conhecemos por paz ou por “tudo bem”. Então, nossa estrutura e tudo que ela acondiciona, vibra, gera calor, fermentação e torpor.
Poderíamos chamar de ansiedade, mas prefiro considerar que é muito mais complexo que isso.
É o que nos faz pensar em abandonar este plano (mesmo que por pouco tempo), para não balançarmos tanto e organizarmos a compostagem que há sempre dentro de nós.
Nosso lixo. Mas, tudo que temos.
Talvez, a única coisa nossa mesmo.
Que ao nos impelir ao chão, nos faz querer flutuar em paz.
Ilustração: “Lacrime”, instalação do designer alemão Ingo Maurer.
Continue Reading
Em apenas um vocábulo, solvido em ressonâncias,
sopro entre os dentes o som do melhor pressentimento…
Do quarto dia avanço à primeira noite e despenco,
sustenido, caio dois tons para criar, de improviso,
nosso encontro-acorde perfeito, inesperado, impreciso.
Amadeirado dueto, que soa como fragrância.
Agora, feitos canção, poesia que cabe em si,
ao ouvirmos a saudade em compasso de chegada,
corramos em molto vivace até o reencontro por lá,
sob estas mesmas estrelas que hoje avistamos daqui.
Continue Reading
Dá-se à luz o amanhã.
Factual,
pós-impacto transverso.
Invernal,
erige entre frestas de esperança
brutal,
brotos das sombras ao céu
fatal,
quase submerso meu vernal.
Afinal,
é terminal este final.
Foi bom demais. Perdão…
Foi mal.
Fotografia: Parque de Coqueiros, Florianópolis – SC
Continue Reading
Estou indo.
Não sei se quero, nem se não quero.
Mas não posso ficar esperando mais.
Nem por mim, nem pelos outros.
Só posso ir, até encontrar um caminho.
Ou, até perder o caminho de vez.
Continue Reading
E agora, que somos insatisfatoriamente perfeitos?
Completamente sós, sem tempo, deficientes.
Pois suficiente, segundo a própria definição,
é um lugar entre o que é bom e o sofrível.
Ultimamente, me percebo mais sofrível do que bom.
Muito mais entre, que em qualquer lugar…
Continue Reading
Desta vez é quinta o dia da saudade.
O primeiro suspiro que me abriu abril.
Parece sempre erro da casualidade,
sentir falta do teu olhar quase infantil.
Quanta falta ainda acondiciona o vácuo:
de sorte, de visão… de atrevimento,
enquanto, sem noção do empreendimento,
parti, sentindo a falta das tuas mãos.
Tardo, carente de palavras mais perfeitas
pra admitir, réu, em casto lamento,
declaro amor com certo acanhamento
envelhecido de falar desta paixão.
Continue Reading
Juro que um dia eu cometo o perdoável crime de te roubar pra sempre.
E me embrenhar pelos campos da paixão insana
pra ser feliz bem longe…
Onde não haja nada, nadinha mais
além da luz dos teus olhos,
a carne dos teus lábios
e a sumo da tua saliva,
em qualquer cabaninha
sem caixa de correspondência.
Onde possamos correr na chuva,
tomar banho de rio e nos secarmos ao sol que,
na contraluz, revela a sensualidade invisível do pólen.
Onde possamos dançar na varanda,
nos calar agarrados na rede
e contar vagalumes até se apagarem no sono.
E, ao acordarmos, nunca mais sintamos
o medo de desatarmos os dedos.
Nem a dor de suspirarmos sem ar
pra preencher o vazio da saudade no peito.
Então, o amanhã será pra sempre hoje.
Todo tempo caberá na palma das nossas mãos.
E este será o meio da nossa história sem fim.
Continue Reading
Hoje, preciso mesmo é conversar por horas.
Deitar em um jardim para olhar as nuvens.
Procurar enxergar aquilo que nem existe.
Especular sobre o futuro. Do presente e do pretérito.
Sobre as fantásticas utopias da vida.
Sobre ínfimos segredos íntimos.
Sobre sonhos extravagantes.
Sobre o tocar das mãos e o calor da respiração.
Sobre aquelas palavras que escondemos atrás do ouvido de quem se quer bem.
Tudo isso sem ter hora, nem obrigações.
Ver o róseo sol se despedir no azul da noite
e, irresponsavelmente, deixar anoitecer.
Sentir a grama sob os pés descalços,
resfriando no carinho da brisa vespertina.
Beber um merlot no gargalo.
Rir à toa…
Fechar os olhos e esperar um abraço.
A cabeça encostada no peito.
O cheiro doce dos cabelos…
Ir por ora, embora, devagar.
Te levar pra outro lugar,
sem o compromisso de chegar.
Continue Reading
São tantos “es”!
Adições, inclusões, agrupamentos…
Enfim, adiamentos de um fim iminente.
Ou poderiam ser o próprio “ser”, mutilados.
Que, aos custos do passado recente, rejeitos, já nem são presente.
Continue Reading
Imponderável
Posted on 13. nov, 2015 by Fábio Bioca.
A escadaria da vida
seria melhor, se descida.
Se houvessem mais uns mirantes.
Acordássemos um pouco antes.
Se nas noites de céu estrelado,
a ansiedade crescendo no peito,
que não fossem degraus tão estreitos
pra poder-se caminhar lado a lado.
Se não houvesse saudade.
Se não existisse ausência.
Não haveria gravidade.
Seria o amor, nosso peso
E inventaríamos degraus,
brincando, como crianças,
flutuando felicidade.